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Um ano em lockdown

Updated: Mar 15, 2021


"Tenho usado a escrita para compreender meus sentimentos e experiências, mas

foi difícil organizar um texto que pudesse expressar o que vivi internamente

desde meados de Março de 2020, nada foi regular, mas de forma geral quero

contar que sigo com processos individuais que me chegaram antes disso,

continuo me perguntando sobre os caminhos que estou tecendo, buscando

sinais para sustentar escolhas que eu fiz e me responsabilizando por elas,

mergulhando em quem eu sou, me sentindo solitária como humana e

contraditoriamente conectada, porque estou viva.


Também sigo exausta ao assistir e ler os jornais ou as redes sociais, não por eles

em si, mas enquanto representação do que acontece para fora de mim. Essa

exaustão se sustenta ao notar tantas pessoas que não enxergam que não

podemos queimar a terra, somos ela, que a ciência e os argumentos

fundamentados precisam ser empregados para a manutenção da vida em

sociedade, que o corpo de uma mulher só pertence a ela mesma, que religião não

é política. Quando diante do mais “visível” externamente, reforço a solidão e o

não pertencimento a este modelo social que criamos e estamos nos afundando.


Só chego perto de pertencer quando me vinculo ao e, não só acontece isso ou

aquilo, os es existem. Esses es estão, para mim, na arte, na natureza que ainda

temos, no simples, nas menores “coisas” que se pode acessar ao, novamente,

estar viva e atenta ao que é injusto e absurdo. Até parece injusto e absurdo estar

viva quando uma pandemia tem levado tantos, às vezes sinto como se houvesse

necessidade de me desculpar por viver. E talvez haja mesmo. Já viram como há

tantos humanos nas ruas que pedem comida, dinheiro, ajuda? Na semana

passada me pediram meias. Humanos, como eu tento ser, ciente de que viver é

outra história.


Lendo um texto da Virgínia Woolf esses dias criei uma imagem que entendi como

um acalento. Ela descreveu um momento em que Hitler estava discursando,

forças fascistas avançando pela Europa, o corpo enfraquecido, gripado, e a

expectativa feliz de comer um macarrão no jantar. Isso resume, claro de forma

muito simplificada, até simplista, o que tem sido estar viva. Venho procurando

comer este macarrão, na verdade prefiro o arroz com feijão, sentir o seu cheiro,

olhar e ver sem me alienar, só para respirar, são sinais de que há alternativas,

preciso delas e preciso ainda mais das alternativas coletivas. Neste aqui e agora,

muitos anos depois de Virgínia Woolf, criei uma identidade com a experiência

desta autora. E você? Qual é a sua experiência de ser humano vivo neste

contexto?"


Texto escrito e cedido gentilmente pela maravilhosa profissional, mulher e ser humano que tenho o privilégio de estar conectada pelo sangue.

Luciana Ponce, professora universitária na Faculdade de Educação UFG.






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