
"Tenho usado a escrita para compreender meus sentimentos e experiências, mas
foi difícil organizar um texto que pudesse expressar o que vivi internamente
desde meados de Março de 2020, nada foi regular, mas de forma geral quero
contar que sigo com processos individuais que me chegaram antes disso,
continuo me perguntando sobre os caminhos que estou tecendo, buscando
sinais para sustentar escolhas que eu fiz e me responsabilizando por elas,
mergulhando em quem eu sou, me sentindo solitária como humana e
contraditoriamente conectada, porque estou viva.
Também sigo exausta ao assistir e ler os jornais ou as redes sociais, não por eles
em si, mas enquanto representação do que acontece para fora de mim. Essa
exaustão se sustenta ao notar tantas pessoas que não enxergam que não
podemos queimar a terra, somos ela, que a ciência e os argumentos
fundamentados precisam ser empregados para a manutenção da vida em
sociedade, que o corpo de uma mulher só pertence a ela mesma, que religião não
é política. Quando diante do mais “visível” externamente, reforço a solidão e o
não pertencimento a este modelo social que criamos e estamos nos afundando.
Só chego perto de pertencer quando me vinculo ao e, não só acontece isso ou
aquilo, os es existem. Esses es estão, para mim, na arte, na natureza que ainda
temos, no simples, nas menores “coisas” que se pode acessar ao, novamente,
estar viva e atenta ao que é injusto e absurdo. Até parece injusto e absurdo estar
viva quando uma pandemia tem levado tantos, às vezes sinto como se houvesse
necessidade de me desculpar por viver. E talvez haja mesmo. Já viram como há
tantos humanos nas ruas que pedem comida, dinheiro, ajuda? Na semana
passada me pediram meias. Humanos, como eu tento ser, ciente de que viver é
outra história.
Lendo um texto da Virgínia Woolf esses dias criei uma imagem que entendi como
um acalento. Ela descreveu um momento em que Hitler estava discursando,
forças fascistas avançando pela Europa, o corpo enfraquecido, gripado, e a
expectativa feliz de comer um macarrão no jantar. Isso resume, claro de forma
muito simplificada, até simplista, o que tem sido estar viva. Venho procurando
comer este macarrão, na verdade prefiro o arroz com feijão, sentir o seu cheiro,
olhar e ver sem me alienar, só para respirar, são sinais de que há alternativas,
preciso delas e preciso ainda mais das alternativas coletivas. Neste aqui e agora,
muitos anos depois de Virgínia Woolf, criei uma identidade com a experiência
desta autora. E você? Qual é a sua experiência de ser humano vivo neste
contexto?"
Texto escrito e cedido gentilmente pela maravilhosa profissional, mulher e ser humano que tenho o privilégio de estar conectada pelo sangue.
Luciana Ponce, professora universitária na Faculdade de Educação UFG.



Comments